O matrimônio: no horizonte de um amor profundo e verdadeiro

Dentre as várias questões que se poderia abordar acerca do sacramento do matrimônio, hoje, despontam, ao menos, dois grandes desafios: o primeiro, no que tange ao próprio rito, à liturgia do sacramento, é a centralidade e a preocupação exacerbada com a imagem, com tudo o que é superficial e secundário na celebração; um segundo diz respeito à própria qualidade dos relacionamentos, numa sociedade marcada pela cultura do descartável, falar de uma união por toda a vida é atemorizador e aterrorizador.

Infelizmente, as celebrações de matrimônio se transformaram em grandes eventos, realizados, muitas vezes, com alto grau de requinte, riqueza de detalhes e acentuado profissionalismo. Em muitos casos, a comemoração do casamento (a festa social) ocupa o lugar central e a celebração litúrgico-sacramental é colocada em segundo plano. Nesse sentido, compreender que o sacramento possui uma liturgia própria prescrita pela Igreja e que a cerimônia não se trata de algo subjetivista conforme a vontade e o “sonho” dos noivos, trata-se de algo extremamente desafiante. A liturgia sacramental do matrimônio possui uma beleza singular. Por isso, não cabem determinados acessórios e adereços que desfiguram a celebração como tal que, diga-se de passagem, pertence à Igreja, é momento comunitário e não simplesmente algo exclusivo dos nubentes.

A Igreja, inspirada nas Escrituras, sempre deixou bem claro nos seus ensinamentos e nas suas leis, tanto no seu Catecismo como no Código de Direito Canônico, que a finalidade do matrimônio é dupla, o bem dos cônjuges e a geração e educação da prole, e que as propriedades essenciais do matrimônio são a unidade e a indissolubilidade (cf. CIC cc. 1055-1056). Isso significa que, através do matrimônio, o casal que livremente desejou estabelecer laços de comunhão deverá se esforçar sobremaneira para que viva na harmonia e seja feliz, não obstante as renúncias necessárias próprias da vida a dois, bem como os esposos deverão estar abertos à vida como dom de Deus, a fim de que constituam a família cristã e formem uma Igreja doméstica que se coloca a serviço de Deus e da Igreja, testemunhando a alegria do amor.

Atualmente, as pessoas têm medo e enorme dificuldade em tomarem decisões que tenham caráter permanente. Tudo é tão marcado pela volatilidade, transitoriedade e relativismo que parece não ser possível fazer uma escolha com duração perene. Muitos se casam já dispostos à separação e, nas primeiras dificuldades e cruzes da vida conjugal, não tem receio de abandonar tudo para buscar a própria felicidade pessoal, a qualquer custo. Enquanto o amor não for compreendido como decisão firme e séria que comporta sofrimentos e renúncias em vista de um bem maior, as propriedades de unidade e indissolubilidade matrimoniais serão simplesmente tratadas com indiferença e até pavor. “Ninguém separe o que o Deus uniu” (cf. Mt 19,6) não é somente uma expressão bíblica e ritual, mas expressa que o amor conjugar é uno e que o casal mantém seu vínculo por toda a vida.

Uma educação para o verdadeiro sentido do amor conjugal é um caminho possível de superação desse quadro. O Papa Francisco insiste na necessidade de um verdadeiro itinerário de preparação para o matrimônio, o que ele até mesmo chama de um catecumenato matrimonial. Desde a infância, na catequese, e na adolescência e juventude, através dos mais diversos trabalhos de evangelização juvenil, Igreja e família devem se empenhar nessa formação para o amor. A realização desse processo é missão de todos, particularmente dos que crêem na verdade do amor e no valor da família cristã.

A partir do momento em que os nubentes tomarem consciência da qualidade e profundidade de seu amor que se expressará no livre consentimento e aceitação mútua, celebrados no matrimônio, o que os coloca em profunda comunhão espiritual um com outro e com Deus, o sacramento do matrimônio será vivenciado como caminho de santificação, felicidade e serviço, irradiando para a sociedade, para a Igreja e para as outras famílias a beleza do amor e da família, comprometida com a vivência do Evangelho. Que o testemunho e a oração dos casais que já vivem de um modo profundo e verdadeiro o seu amor conjugal e familiar sejam inspiração e encorajamento para todos os que ainda irão se aproximar do altar, no sacramento do matrimônio, para consagrar e santificar seu amor.        

Pe. Carlos Henrique Machado de Paiva
Pároco | Assessor Diocesano da Pastoral Familiar