“O pão da vida és tu, Jesus, o pão do Céu”

Tomás de Aquino viveu durante o período histórico que chamamos de Baixa Idade Média, época das Cruzadas: a guerra de cristãos e muçulmanos pela Terra Santa. Mas não foi somente de maneira litigiosa que as duas culturas se encontraram: eis aí mais uma mostra de que Deus faz brotar algo bom de algo ruim, uma flor no meio do deserto. Até então, a Europa não tinha contato com os escritos de Aristóteles e foram os muçulmanos - principalmente Avicena e Averróis - que o reintroduziram na discussão filosófica. E foi justamente por causa da filosofia aristotélica que Tomás de Aquino se transformou em um dos grandes doutores da Igreja. Foi a filosofia de Aristóteles que deu a ele a possibilidade de defender, de maneira profundamente lógica, o centro perfeito de nossa fé: a transubstanciação eucarística.

Então, vamos juntos agora tentar compreender como São Tomás de Aquino transformou a fria Filosofia no calor salvífico da Eucaristia em uma defesa do Pão e do Vinho consagrados.

Imagine que você e eu estejamos conversando sobre qual é o melhor tipo de açúcar para a saúde. Eu digo que é o açúcar demerara, você diz que é o açúcar mascavo. Mas qual é a diferença entre eles? Cristal, refinado, demerara e mascavo não são todos açúcar do mesmo jeito? Sim e não, diria Aristóteles. Obviamente, o açúcar cristal e o mascavo são diferentes na cor, na textura, no método de produção… Na filosofia aristotélica, dizemos que essas características diferentes são acidentais: o açúcar mascavo é marrom, mas poderia ser verde. Ou rosa. Mas existe algo que os diferentes tipos de açúcar têm em comum: o fato de serem doce. Portanto, “ser doce” é algo que o açúcar precisa ser para ser açúcar. A cor, a textura, o tamanho ou a aparência não importam muito, desde que ele seja doce. A doçura do açúcar não pode mudar, senão ele deixa de ser açúcar. Aristóteles vai chamar isso - que não pode mudar - de substância. A substância define o que algo é: o açúcar é doce; o sal é salgado.

Além disso, os acidentes podem se misturar e mudar à vontade: você pode imaginar açúcares de várias cores, de vários tamanhos, feitos de vários vegetais diferentes. Mas não pode imaginar um açúcar que não seja doce. Ou que seja doce e salgado ao mesmo tempo. Portanto, se os acidentes podem se misturar, as substâncias nunca se misturam: um ótimo exemplo disso é o encontro do Rio Negro e do Solimões.

O que tudo isso tem a ver com Tomás de Aquino? Ora, como pode Jesus, tendo nas mãos pão e vinho, ter afirmado que aquilo era seu Corpo e seu Sangue? Como pode ser que a Hóstia, que é apenas farinha e água, seja transformada, após a consagração, no Corpo de Deus? São Tomás de Aquino explicou isso com base na filosofia aristotélica das substâncias e dos acidentes que acabamos de aprender. Lembre-se: os acidentes (as características) podem mudar, mas a substância (o que algo é) não muda. Assim, durante a Santa Missa, o que acontece é que participamos de um ritual sagrado e mágico em que aquilo que era simples pão se transforma na Carne de Nosso Senhor, apesar de continuar a parecer pão. Todos nós podemos dar aparências diferentes para um pão qualquer, mas somente Deus pode transformar a sua substância.

Quando queremos adoçar o café, nós o colocamos em contato com uma substância doce. É uma espécie de contágio. O mesmo acontece conosco quando participamos da Santa Eucaristia: aquilo que parece simples pão é, substancialmente, o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. E, quando o comemos, somos contagiados por Ele e nos tornamos menos amargos.

Somos seres mortais, essa é a nossa substância. De modo que a única forma de ganhar a vida eterna é participar de uma substância imortal. E só existe uma forma de mortalidade e imortalidade, terra e céu se encontrarem: no pão da Sagrada Eucaristia.

 


Mauro Sérgio de Carvalho Tomaz

Professor de Filosofia