“Rosa sequíssima e seu perfume de pó”

Quando estou em casa e perco o sono madrugada adentro, levanto antes de o sol nascer e subo a serra da minha cidade natal. Ainda no escuro, vou subindo pelo caminho de terra e pedras para, já com o sol iluminando o alto, alcançar o topo onde rezo diante do Cristo Redentor que abraça a cidade. Conto isso porque, para mim, é uma experiência de Páscoa. O que me dá mais prazer é sair no escuro e, ao pé da serra, ver o céu deixar de ser totalmente negro e se tornar primeiro roxo forte, róseo, quase lilás e, por fim, os primeiros tons de azul com a luz do sol. Não encontro outro meio de explicar o Domingo da Alegria da Quaresma.

Durante o ciclo do Ano Litúrgico, de modo muito pedagógico, o que na verdade chamamos mistagógico, a Igreja nos conduz pela mão (paidos) ao coração do mistério (mysterion) Pascal de Cristo, o centro da nossa fé. Para tanto, adentramos a Quaresma, tempo de preparação interior para viver a Páscoa de Jesus. Convidando-nos à consciência de nossa brevidade e ao cuidado interior, somos marcados com as cinzas e caminhamos por aproximadamente quarenta dias até o Tríduo Pascal.

No meio deste itinerário de conversão que deve ser cuidado com o interior, mas também vivência comunitária, algo diferente acontece. Deixamos o roxo de lado para nos vestirmos da cor rosa ou róseo. É o quarto Domingo da Quaresma, o chamado Domingo da Alegria.

Ele recebe esse nome, da Alegria (Laetare), pela antífona de entrada retirada do livro de Isaías (66, 10-11) que convida Jerusalém a se alegrar porque será saciada nas fontes da consolação. O profeta convida a Cidade Santa a reunir todos aqueles a quem ela ama para se alegrar com ela porque se aproxima o tempo da consolação nas fontes que o Senhor oferecerá, cumprindo sua promessa de vida.

A cor litúrgica passa do roxo para o rosa, demonstrando a alegria da Páscoa que se aproxima. Toda liturgia do Domingo da Alegria é um convite à comunidade cristã também se revestir da Alegria da Páscoa que está para chegar. Semelhante ao profeta, é o chamado para reunir todos aqueles a quem amamos na oração que o sacerdote apresenta no início da celebração: “(...) concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam, cheio de fervor e exultando na fé”.    

Quaresma é tempo de penitência, de interioridade, de conversão, mas não de tristeza e muito menos luto. É preparar o coração para a mais alvissareira das notícias, a de que a vida voltou e nos alcançou. O Domingo da Alegria é esse respirar fundo diante da beleza que se aproxima, é o rosa ser sinal do rosto corado daquele e daquela que corre até o túmulo para vê-lo vazio e dizer: Ele vive e nós com Ele.

Comecei dizendo sobre minha subida na serra. O céu escuro e o caminho de terra e pedras são essa aridez do deserto, a dificuldade de subir para Ele em meio aos contratempos, mas o despertar da aurora que deixa o céu rosa, como a cor litúrgica, é sinal de que o Sol está chegando, a Vida está brotando, é Páscoa.

Adélia Prado, escrevendo sobre a Páscoa de si mesma já idosa, se autointitula “rosa sequíssima e seu perfume de pó” que tem a experiência da Ressurreição nas pequenas alegrias da senilidade. Que a espiritualidade do Domingo da Alegria nos ajude a sermos essa rosa seca, sedenta da fonte da consolação (Is 60, 10) que ainda exala o perfume das cinzas que recebemos no começo da escalada da serra da Quaresma.

            Feliz e perfumada Páscoa!

 

 

 

 

 

 

Iuri de Carvalho Santos
Seminarista do 4º ano de Teologia
Diocese da Campanha